terça-feira, 17 de abril de 2012

O GRUPO DA BAIXINHA E A REVISTA SAMBA

GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.  gilfrancisco.santos@gmail.com


Autodidata, o líder do chamado Grupo da Baixinha, Joaquim Samuel de Brito Filho, o Guarda Civil, 85, assim conhecido por ser policial, “era um homem de uma inteligência acima do normal. Conversador magnífico, dotado de um senso crítico admirável, prendia a atenção de todo o grupo ao discorrer fluentemente sobre literatura ou ao analisar produções que lhe submetíamos ao crivo da apreciação, o fato curioso, todavia, ele mesmo não escrevia nada.”[1]

          Aos poucos, em torno da sua mesa de café, Samuel Brito foi reunindo jovens procedentes de várias classes sociais (bacharéis, estudantes, funcionários públicos e um operário-alfaiate), para reuniões informais dos que freqüentavam o Café Progresso, onde serviu de palco para as discussões e projetos do grupo, que surgiu entre os fins dos anos de 1925 a 1929. Além de discutirem literatura e principalmente poesia, questões gramaticais, fatos políticos e do cotidiano, o noticiário dos jornais e a vida das pessoas. A denominação de Baixinha era porque o Café Progresso estava situado próximo a um larguinho, de onde despontam as ladeiras do Carmo, do Passo e do Pelourinho, e que ligam a Baixa dos Sapateiros ao Taboão. Além do Café Progresso, neste espaço e arredores estava outros cafés: Café Moderno, Café Derby e Café Artúrio. O Café Progresso, era modesto, proletário, quase sujo, freqüentado por gente humilde que ali entrava rapidamente para tornar uma média de café com pão e manteiga ou apenas um cafezinho simples, que custava dois tostões.[2]

           O Grupo da Baixinha, que era formado por rapazes de 18 a 21 anos de idade, boêmios talentosos que improvisando e escrevendo literatura em cafés e bares, que "enchiam com as notas vivas e inteligentes de sua alegria ruidosa[3]". Pinheiro Viegas retorna à Bahia em fins de 1924, passando a freqüentar alguns cafés situados na antiga Rua do Colégio, tais como o Peres, Madrid, Derby e posteriormente o Café Bahia. A partir de 1926, Viegas associaria ao Grupo da Baixinha, que passou a disputar a liderança com Samuel de Brito Filho, o Guarda Civil, 85. Samuel morreu em 1929, conforme o poema Gênese, de Elpídio Bastos, dedicado à sua memória.[4]
           O Grupo da Baixinha tinha como mecenas Raimundo Pena Forte, “perneta que arrastava até nós na sua muleta para assistir às nossas tertúlias sem ter, todavia, qualquer veleidade intelectual. Gostava, apenas, de comparecer às nossas reuniões e de pagar a nossa despesa resultante dos cafezinhos e do pãozinho quente que devorávamos altas horas da noite, recém-saído do forno da Padaria Montanha”.[5] O poeta Otto Bittencourt Sobrinho em artigo publicado na revista O Social, afirma que “foi Alves Ribeiro o organizador dessa campanha. Chamou a si Clodoaldo Milton, Bráulio Abreu, Elpidio Bastos, Egberto Ribeiro, e outros, e fundou o “Samba”. A primeira revista moderna. O estandarte da nova cruzada. Simples. Porém quanta coisa linda que ela trouxe.”[6]

        Segundo o poeta Elpídio Bastos, Pinheiro Viegas “era uma personagem fria, incapaz de demonstrar um sentimento mais expressivo, tomar uma atitude constrangedora de pesar ou mesmo de expansiva alegria. Raramente o vimos rir, levado por qualquer contentamento ou se estarrecer diante de uma surpresa”[7]. Seu ingresso no grupo representa uma nova fase para a agremiação, inclusive seus membros passaram a freqüentar outros cafés de melhor aparência, na área da antiga Sé.[8]

         Definida como Mensário Modernista de Letras, Artes e Pensamento, a revista Samba (1928-1929) teve apenas quatro números publicados, e suas páginas não numeradas. A revista Samba, tinha uma mancha de 24,5X16,5. O número 1, em novembro de 1928, aparece com 14 páginas, sendo que cinco totalmente dedicada a publicidade; número 2 em dezembro de 1928, aumentaria mais quatro páginas, sendo seis exclusivamente para publicidade geral; o número 3, fevereiro de 1929 continha 16 páginas, sendo que quatro para anúncios comerciais e finalmente, o quarto e último número, março de 1929, continha 18 páginas, sete destinadas a publicidade.

         A maioria dos anúncios publicitários era das casas comerciais da Baixa dos Sapateiros: lojas de calçados, marcenarias e carpintarias, alfaiatarias, lojas de miudezas, lojas de chapéus, bazares, tipografias, armazéns, casas funerárias, armarinhos, tinturarias, oficinas mecânicas, lojas de ferragens, farmácias e cafés. Tendo como diretor Gomes Costa, era patrocinada pelo espanhol Severino Pazos Martinez. O endereço oficial indicava a Rua Silva Jardim, nº 58 – Taboão, no entanto, a revista era preparada nas mesas do Café Progresso. Tanto Samba quanto Arco & Flexa (1928-1929), surgiram simultaneamente no mês de novembro de 1928, antecedendo-se (Samba), alguns dias seu lançamento, o que lhe confere o privilégio de ter sido a primeira revista com feição modernista editada na Bahia.

        Samba era uma revista simples, feita de papel jornal, que teve o nome dado por Alves Ribeiro, na época com dezenove anos de idade e é quem apresenta o primeiro número da revista com artigo manifesto intitulado Samba:

“A arte moderna procura, acima de tudo, a alegria. Daí, essa nota de jovialidade e humorismo que a caracteriza... O conceito de Wilde, definindo a arte como uma enfermidade, aplica-se muito bem ao século passado. Em verdade, a arte do século XIX foi mais ou menos enferma. Porém, deixemos o pretérito. Cuidemos do presente e do futuro. Estamos atualmente, na época das grandes agitações sociais. Há uma revolução completa em todas as manifestações do espírito humano. Novos surtos. Novas idéias. Novos horizontes... Não podemos ser indiferentes ao que se passa no resto do mundo. Queremos uma arte nova, cheia de vida, entusiasmo e vibração. Uma arte sã, enfim... Não temos tempo a perder com jeremiadas. A dor é um tóxico. O riso é um contra veneno. Quem para, a desfiar mágoas, fica na retaguarda. é preciso ir avante!
        Viver é integrar-se no dinamismo das coisas, vibrar na homogeneidade do cosmos... A tristeza é uma doença. A alegria é bela higiênica. Sejamos alegres. Alegres e resolutos. Só assim seremos grandes e felizes. Ou, pelo menos, teremos a ilusão da grandeza e da felicidade. A arte moderna deve ser, pois, uma arte de rejuvenescimento. Viva a alegria! Viva o samba!...”[9]  

        Fizeram parte do grupo da Baixinha: Alves Ribeiro, Anibal Rocha, Amphilophio Britto, Ângelo Brandão Donatti, Bráulio de Abreu, Clodoaldo Milton, Dagmar Pinto, De Souza Aguiar, Epaminondas Pontes, Elpídio Bastos, Egberto de Campos Ribeiro, Honorato Gomes, Leite Filho, Nonato Marques, Otto Bittencourt Sobrinho, Pereira Reis Júnior, Pinheiro Viegas, Raimundo Pennafort, Samuel de Brito Filho, Wasny Casaes e Zaluar de Carvalho.


         Após a publicação do último número da revista, o grupo se desfez em conseqüência de desentendimentos entre alguns dos seus componentes e Pinheiro Viegas, principalmente com Otto Bittencourt, que a partir desta época mereceu inúmeros epigramas.


         Apesar da confirmação de Bráulio de Abreu e Nonato Marques, de que não fora publicado o número 5 da revista Samba, encontramos duas notas registrando a publicação do periódico. A primeira no Diário de Notícias: “Samba – E seu magnífico número de hoje. O número 5 de Samba, a revista bem feita da gente moça e de talento da Bahia, saiu, hoje, à circulação”.[10] A segunda, n’O Social (órgão defensor da classe caixeiral, do cooperativismo e das sociedades civis), publicação quinzenal dirigida por Veriano Raul Pedrão, quatro meses após a publicação do nº4, o seguinte registro: “Está circulando o 5º número de Samba, revista moderna, a que a inteligência empresta uma grande vida. Alves Ribeiro abre esse número com um excelente artigo sobre a literatura moderna. Seguem-se prosa e verso de Bráulio de Abreu, Clodoaldo Milton, Otto Bittencourt Sobrinho, Egberto de Campos Ribeiro, De Souza Aguiar, Elpídio Bastos e outros. Mas ótimo de verdade”.[11]
         Segundo Bráulio “Não sei, ignoro completamente, se chegou a sair o nº5 de Samba. Tínhamos a obrigação de cada um abrir um número da revista. Isso foi estabelecido pelo Alves Ribeiro, que era o maior esclarecido de nosso grupo”.[12]

         Vejamos o registro das publicações dos quatro números de Samba, na revista O Social: “SAMBA – temos em mãos o primeiro número de Samba. É uma revista nova, a primeira que, na Bahia, conseguiu romper os velhos moldes de Arte. Assina suas colaborações um punhado de moços inteligentes e corajosos, destacando-se: Altamirando Requião, Áureo Contreiras, Alves Ribeiro, Otto Bittencourt Sobrinho, Egberto de Campos Ribeiro, Elpidio Bastos, Florêncio Santos, Aníbal Rocha, Bráulio de Abreu, Clodoaldo Milton e Costa Andrade. Está de parabéns a intelectualidade moça da nossa terra. E por isso, almejamos a Samba uma vida longa”.[13]

         SAMBA – está em circulação o seguinte número dessa apreciável revista. De uma confecção esmerada, trazendo colaboração escolhida em prosa e verso, SAMBA é, realmente, uma revista nova, dos novos e para os novos. A essa plêiade de moços que idealizou e realizou SAMBA. O Social envia parabéns”.[14] “SAMBA – Já está circulando o terceiro número de SAMBA. Um número bem feito, bem confeccionado, sob a gerência do Sr. Gomes da Costa. Trás esmerada colaboração, todas nos moldes da Arte Nova; dia a dia, tem maior número de adeptos. SAMBA é já uma revista vitoriosa. Muito modesta, porém muito boa. São seus redatores e colaboradores efetivos os intelectuais Alves Ribeiro, Bittencourt Sobrinho, Clodoaldo Milton, Bráulio de Abreu, Elpidio Bastos, Egberto Ribeiro. SAMBA foi a primeira revista moderna, essencialmente moderna, editada na Bahia”.[15]  “SAMBA – Aperte os nossos, Elpidio Bastos. E vocês, Alves Ribeiro, Clodoaldo Milton, Bráulio de Abreu, Bittencourt Sobrinho, Dagmar Pinto, todos vocês aceitem os parabéns sinceros de O Social. O 4º número de SAMBA está um número.
        Um número bem feito, bem organizado. Não resta dúvida que SAMBA este vencendo. Para dizer melhor já venceu. E logicamente, assim tinha de ser.
        Vencum, porque vocês estão à sua frente, destemidos, desassombrados. E mais do que tudo, SAMBA é uma prova exuberante do talento de vocês todos. Talento e força de vontade. Um abraço”.[16]

         O Grupo da Baixinha se manteve basicamente conservador, onde seus integrantes continuavam cultivando o verso rigorosamente metrificado, no melhor estilo parnasiano, porque ninguém se arriscava a seguir as idéias do futurismo. “Com tais posições estes jovens servem de elo entre a literatura finissecular tristonha e patriótica e o fazer literatura na Bahia naquela década de vinte, tentativa de integração moderada no quadro literário brasileiro.”[17]
         Grupo "rival" de Arco & Flexa, tendo como principal motivo a formação intelectual de seus membros, que desfrutavam de grande prestígio na Velha Capital e representavam o núcleo central da inteligência baiana na época, como Godofredo Filho, Hélio Simões, Pinto de Aguiar, Carvalho Filho e outros. Pois nenhum dos integrantes de Samba tiveram acesso à Academia de Letras da Bahia, em virtude dos poetas da Baixinha serem modestos demais para aspirar tão grande sonho. [18]
O certo é que até hoje, a Academia de Letras da Bahia não perdeu os seus pendores elitistas porque o ingresso a esta agremiação não se faz por talento literário, mas por interesses políticos. E sobre isso afirma o poeta Bráulio de Abreu:[19] “Nós nunca tivemos uma cor política. Éramos quase independentes a esse negócio. Cada um fazia o que queria, mas como grupo reunido para trabalhar por um princípio político nunca houve isso. Cada um fazia o que queria fazer.” [20]

         O grupo, publicou dois semanários malucos pelos 200 réis. Primeiro surgiu O Periquito, depois promovido a Gavião, classificados como “órgão de ataques de riso.” Não escapava ninguém às bicadas do Periquito, ou às garras do Gavião. [21]

        A revista Samba, de qualquer forma deixou registrada sua presença na história da vida literária baiana dos anos vinte, sendo testemunhada pelos poetas Nonato Marques, com 89 anos e Bráulio de Abreu com 97 anos de idade, únicos remanescentes do grupo de poetas da Baixinha.

         O escritor Jorge Amado, amigo e companheiro de Pinheiro Viegas, em seu livro de estréia "O País do Carnaval", deixa gravado na história o nome de Pinheiro Viegas, colocando-o como um dos personagens (Pedro Ticiano) mais importantes deste seu livro, procurando relatar a vida literária da época, fazendo uma verdadeira sociologia da vida intelectual baiana.[22]  

        O romance "O País do Carnaval", cuja metáfora do título é bem explícita: o Brasil, representado pela geração do personagem Paulo Rigger, é uma nação que ainda não se definiu, que ainda não tomou partido, alienando-se da realidade. Neste livro, Jorge Amado procura traduzir o clima de incerteza de sua própria geração. Viegas, cujo personagem é Pedro Ticiano tinha uma vocação diabólica, envenenador, pessimista sistemático, um sexagenário satânico, a sua má língua chibatava todos os preconceitos, arrastando consigo uma plêiade de homens de talento. Viegas tinha o poder de inutilizar um jornal com um epigrama e apagar uma esperança com uma frase.

        O decênio de 1930 é marcado, no mundo inteiro, por um recrudescimento da luta ideológica: fascismo, nazismo, comunismo, socialismo e liberalismo medem suas forças em disputa ativa; os imperialismos se expandem, o capitalismo monopolista se consolida e, em contrapartida, as Frentes Populares se organizam para enfrentá-los. No Brasil, é a fase de crescimento do Partido Comunista, da Organização da Aliança Nacional Libertadora, da Ação Integralista de Getúlio Vargas e seu populismo trabalhista. O resultado não se fez esperar: assumindo cada vez mais o poder, Getúlio interveio nos sindicatos, oprimiu o operariado e calou a voz da oposição.

         O ditador endurece ainda mais o regime, tendo como resultado, em 10 de novembro de 1937, a concessão de maiores poderes a si próprio, a nomeação de interventores para os estados e a criação da censura prévia.

         A consciência da luta de classe, embora de forma confusa, penetra em todos os lugares – na literatura inclusive, e com uma profundidade que vai causar transformações importantes.





Notas)

(*)Salvador. O Social, Elpidio Bastos (Gênese). Ano II, nº 21/22- 30 de novembro, 1929



[1] DAMULAKIS, Geranda. Poetas da Baixinha, Revista da Bahia. Salvador: nº22, p. 50-55, novembro, 1996.
[2] MARQUES, Nonato. A Poesia era uma Festa. Salvador: GraphCo, p. 15, 1994. Neste livro, o autor fez um relato sobre a vida literária e a atividade política na Bahia da década de 20, fixando no Grupo que se convencionou chamar os poetas da Baixinha.
[3] Idem, Idem.
[4] Salvador. O Social, Elpidio Bastos (Gênese). Ano II, nº 21/22 – 30 de novembro, 1929.
[5] MARQUES, Nonato. A Poesia era uma Festa. p. 15-16.
[6] Salvador. O Social, Otto B. Sobrinho (Samba). Ano II, nº1, 15 de janeiro, 1929.
[7] MARQUES, Nonato. A Poesia era uma Festa, p 30.
[8]  A Sé da Bahia, erguida a partir de 1552, nas suas primeiras fundações, pelo famoso Bispo Sardinha, onde pregaram os padre Antonio Vieira e Eusébio de Mattos teve sua demolição iniciada em 7 de agosto de 1933. A Igreja ficava no espaço compreendido entre a Santa Casa de Misericórdia e Palácio da Arquidiocese, onde hoje está o Belvedere, indo até defronte do prédio da casa A Primavera.
[9] Samba. Salvador: nº 1, Ano I, nov. 1928.
[10] Diário de Notícias, 13 de julho, 1929.
[11] O Social. Salvador, Ano II, nº13 e 14, p.15, 31. jul.1929.
[12] Samba. Salvador, Edição fac-similar, “Samba morreu de desgosto”, Bráulio de Abreu, Conselho Estadual de Cultura, 2000.
[13] O Social. Salvador, “Revistas & Jornais”, Ano I, nº11 e 12.nov.1928.
[14] O Social. Salvador, Revistas & Jornais, Ano I, nº1, 15 de janeiro, 1929.
[15] O Social. Salvador, Revistas & Jornais, Ano II, nº4, 28 de fevereiro, 1929.
[16] O Social. Salvador,  Ano II, nº6, Bahia, 30 de março, 1929.
[17] ALVES, Ívia. Uma breve notícia sobre Samba, Revista Exu. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, nº 1, p. 9, nov./dez. 1987. MARQUES, Nonato. A Poesia era uma Festa. Salvador: GraphCo, p. 139, 1994.
[18] Carlos Chiacchio publicaria em seis rodapés sucessivos de A Tarde (14. 02. 1928) sobre Modernistas & Ultramodernistas, mostrando claramente não adesão às idéias modernistas que agitavam os grandes centros literários do Rio e São Paulo. Isto significava preservar o passado.
[19] A Academia de Letras da Bahia foi criada em 1917, adotando o mesmo modelo da Academia Brasileira de Letras, que por sua vez, copiara da Academia Francesa. Foi constituída, na sua maior parte, por elementos que pertenciam à Nova Cruzada.
[20] ABREU, Bráulio de. Entrevista, Revista Exu. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, nº 1, p. 5-9, dez. 1987.
[21] MARQUES, Nonato. A Poesia era uma Festa. Salvador: GraphCo, p. 23-24, 1994.
[22] AMADO, Jorge. O País do Carnaval. Rio de Janeiro: Schmidt, 1931. Este romance, até 1992 havia sido traduzido para dois idiomas: francês e italiano.










A REVISTA ARCO & FLEXA

GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário e membro do Instituo Histórico e Geográfico de Sergipe e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e Diretor do Departamento de Imprensa da ASI;




A revista Arco & Flexa (1928-1929), mensário de cultura moderna: letras, artes, ciências e crítica, teve rápida duração. O periódico apresenta um formato de livro, medindo 23X16 cm, sendo a mancha de 16X11,5 cm., com indicação de página. Obedecendo ao espírito moderno, o periódico traz um material bem acabado e cuidadosamente elaborado por seu diretor, Pinto de Aguiar, cuja redação ficava em sua própria residência, Rua Santo Antônio, 104.
Seu primeiro número aparece em novembro de 1928, contendo sessenta e seis páginas; o número 2/3 (número duplo), dezembro, 1928, janeiro, 1929, setenta páginas e o último volume também duplo, 4/5, setenta e sete páginas, lançado neste mesmo ano, sem indicação do mês.  A revista era impressa pela Nova Gráfica da Bahia, e a escolha do título, Arco & Flexa, dava um caráter de nacionalismo brasileiro.
O grupo inicial era formado por Eurico Alves, Carvalho Filho, Hélio Simões e Pinto de Aguiar, que dirigia o periódico e realizava as reuniões em sua residência – Santo Antônio Além do Carmo. Também habitualmente se reuniam no Café das Meninas, onde se propunham o grupo a introduzir o modernismo na Bahia, sem, todavia, abandonar o passado que tinha no parnasianismo a sua linguagem poética dominante: “Na verdade a revista não refletia o que habitualmente se considera um grupo literário, uma vez que eram flagrantes as diferenças de cultura e de sensibilidade manifestadas pelos que nela colaboravam.”
Por exemplo, Carlos Chiacchio oriundo da Nova Cruzada, se colocará como crítico e teórico na revista Arco & Flexa, procurando acertar o passo com as inovações, tentando ligar-se a Festa, do Rio, e a Verde, de Cataguases-Minas. Mas a forte carga de uma tradição oprimia consideravelmente o próprio líder do grupo, que trouxe consigo antigos neo-cruzados como colaboradores: Arthur de Salles, Roberto Correia e Silva Campos.
Chiacchio foi um dos colaboradores da revista Festa, com o artigo “Modernistas e Ultramodernistas. A Reação Subjetivista Brasileira”, publicado anteriormente em 13 março  de 1928, no jornal A Tarde. O artigo se refere à “mentalidade baiana”, que se opõe a qualquer tipo de inovação, atitude que tem um aspecto positivo, que é o de preservar a tradição brasileira. Contudo o autor se queixa do silêncio da Bahia diante das inovações literárias, sobretudo as do Rio e de São Paulo. Refere-se elogiosamente do movimento realizado pelo grupo de Festa. Outros membros da revista Arco & Flexa, colaboram em Festa: Arthur de Salles, Carvalho Filho, Eugênio Gomes, Godofredo Filho e  Ramayana de Chevalier.
Carlos Chiacchio também aparece na revista Verde, nº 1 (segunda fase), número em homenagem ao poeta Ascânio Lopes (1907-1928), com o artigo “O Mal do Parnasianismo. Três Poetas” . É um estudo crítico dos livros de três poetas: Roberto Gil, do Rio, Verbo das Sombras; Ernesto de Albuquerque, de Pernambuco, Intermundios; e Rosário Fusco, de Minas, Fruta de Conde.
A revista Arco & Flexa traz em seu primeiro número um artigo manifesto, “tradicionismo dinâmico”, assinado por Carlos Chiacchio, que não significa a idéia do grupo, e sim de um dos componentes deste, orientador e patrono.  “Chiacchio tinha 50 anos por esta época, eu 17, Carvalho 20, éramos todos moços, fez-se, então, a liderança de Chiacchio. Foi uma coisa natural, espontânea.” O artigo propõe a renovação da literatura na Bahia, libertação das influências européias e lançamento da idéia do “tradicionismo dinâmico”. De qualquer forma estes propósitos serviram de ponto de partida, não só para os jovens integrantes de Arco & Flexa, bem como para eventuais colaboradores.  Vejamos um trecho do manifesto:

“Não há povos sem tradição. O próprio sentido de viver é uma tradição. Se viver é continuar, é permanecer é transmitir. A vida nacional de cada povo na vida universal de cada época. Quanto a nós, não sei como desconhecer uma tradição, uma vida, uma continuidade.  Belas, ou feias, boas ou más, tristes, ou alegres, as origens da nossa tradição, resultante somático de três raças unidas no momento em que cresciam para o desejo da mortalidade, não há que repudiá-las em nome de outras probabilidades de beleza, que podem existir, como existem, para outros povos, mas, para nós, não têm ‘préstimo, porque contrarias às leis do nosso desenvolvimento na história.  Sente-se que a resistência as inovação da cultura, nas sua várias modalidades, é um feito de nosso gênio, radicalmente misoneista. É um erro das elites do passado, que nós herdamos por interesses circunstanciais da conservação de prestígio a únicos, esses preconceitos contra as idéias novas, gerais, estranhas.”

Segundo o poeta Carvalho Filho, o grupo Arco & Flexa sofreu na sua concretização de idéias, fortes influências não somente de Carlos Chiacchio, tido como homem de grande cultura e amadurecimento literário, mas também de Eugênio Gomes, autor de Moema, publicado no primeiro semestre de 1928. Moema é um poema “claro, ventilado, azul, impregnado do melhor sentimento da tradição baiana. Captado, porém, a luz de ângulos novos de nossa realidade cultural. Um livro que integra a grande obra posterior – em sua maior parte de crítica e estudos literários – do nosso baianissímo Eugênio Gomes.”

O certo é que a Bahia ficou nos anos vinte muito prejudicada no que diz respeito a vida cultural e social, por causa da comunicação, que eram feitas por via marítima: livros, revistas e jornais, levaram mais de um mês para chegar do Rio de Janeiro e São Paulo. E tudo isso nos levam a acreditar o porquê da posição conservadora do grupo de Arco & Flexa. Pois o ambiente baiano não propiciava as inovações, bem como a revista tinha “propósitos independentes.”
Para sobrevivência do periódico mantinha a revista Arco & Flexa, vários anunciantes, de médicos, advogados, dentistas, livrarias e outros tipos de classificados, que de um número para outro da revista, aumentavam quantativamente, o que não se explicaria a sua súbita interrupção.
Outro fato importante é que o periódico mantinha um número considerado de assinantes. O que realmente teria acontecido? A revista não teria sido bem aceita pela comunidade intelectual na época? Existiu de fato cisões internas no grupo “modernista” ou teria realmente causado um escândalo o aparecimento da revista, por trazer propostas de equiparar a Bahia as idéias vigentes no Rio e São Paulo. A publicação de Arco & Flexa causou uma reação violentíssima, apesar da idéia do grupo em querer “... ir para adiante, mas sem renegar o passado”
A própria crítica do Sul do país, não só registra o seu aparecimento, como também escreve vários artigos analisando o movimento literário baiano, os quais são publicados na revista Arco & Flexa. Segundo Hélio Simões a revista dava prejuízo, “não se vendia nenhum exemplar e quando acabou o dinheiro, fechou-se a revista.”
 
A revista era financiada por Pinto de Aguiar, que mais tarde, nos anos quarenta, procurou desenvolver e difundir, através da editoração, a cultura baiana com a Livraria Progresso Editora, a qual durante o período de sua vigência publicou trabalhos importantes que até hoje ilustram as letras baianas.
Colaboraram na revista: Pinto de Aguiar (Medeiros de Albuquerque), Agripino de Alcântara, Pedro A. de Alcântara (Renato de Almeida), Francelino de Andrade, Eurico Alves, Raul Bopp (Osório Borba), Samuel Campelo, J. da Silva Campos, Carvalho Filho, Ramayana de Chevalier, Carlos Chiacchio, Rafaelina Chiacchio, Roberto Correia, Damasceno Filho, Erasmo Júnior, Hildeth Favilha, Cavalcanti Freitas, Godofredo Filho, Eugênio Gomes, Jaime Gryz, Francisco Hermano, Pinheiro de Lemos, Herman Lima (Sud Menucci), Jonatas Milhomens, José Queiroz Júnior, Arthur de Salles, Castelhar Sampaio, Hélio Simões, Lafaiete Spinola, J. Teles (Nestor Vitor).












sábado, 24 de março de 2012

A BAIANIDADE DE JENNER AUGUSTO

GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário, membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e Diretor de Imprensa da Associação Sergipana de Imprensa. gilfrancisco.santos@gmail.com




Nascido em Aracaju em 11 de novembro de 1924, desde muito jovem dedicou-se à pintura. Dedicou-se a registrar as coisas e pessoas da sua terra, através da pintura, a que se dedica hà  60 anos, desde quando descobriu a arte de outro pintor, seu conterrâneo Horácio Hora (1853-1890).
Em 1945 e 1948 realizou exposições em Aracaju. Na primeira vendeu apenas um quadro, o que o obrigou a voltar à pintura de faixas e cartazes comemorativos. A segunda foi um marco na sua carreira, ao romper com os padrões acadêmicos, substituindo-os pelas perspectivas do modernismo. Logo depois executou a pintura decorativa do Bar Cacique, na sua querida Aracaju.
Em 1949 fixa residência na Bahia, integrando-se no movimento de renovação das artes plásticas em Salvador. “Minha constância é a Bahia e o Nordeste. A Bahia, pelo lado lírico, o Nordeste, pelo trágico. Mas a Bahia é o meu maior motivo. Tenho um apego e fascinação às coisas da Bahia. É a cidade, que vivi durante 51 anos, a cidade que eu amo”.
A partir daí, Jenner Augusto da Silveira saiu pelo mundo, estabelecendo uma convivência com pintores consagrados (Mário Cravo, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Carybé, Poty, Rubem Valentim, Pancetti e Portinari), participando de exposições coletivas, realizando suas individuais, ganhando prêmios, medalhas, citações e homenagens, em reconhecimento pela genialidade da sua obra: Medalha de Ouro, no VI Salão Baiano (1956), viagem ao país do Salão Nacional do Rio de Janeiro (1959) e o Grande Prêmio de Pintura, do Salão de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul (1962).
Na Bahia, Jenner participa de mostras (novos Artistas Baianos) e realiza exposições individuais (Galeria Oxumaré – 1952), é selecionado para o I Salão Baiano de Belas Artes, executa o painel Evolução Humana, no Centro Educacional Carneiro Ribeiro. De lá sai para o Rio de Janeiro (Salão Nacional de Arte Moderna) e exposições em galerias de São Paulo. Hoje, com mostras em quase todos os Estados brasileiros e no exterior – Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Itália, Portugal, Bélgica e França, dentre outros – a sua obra mereceu sala especial na I Bienal Nacional de Artes Plásticas e três livros.
Em 1954, morando no Rio de Janeiro, embarca na onda mundial do abstracionismo. Num encontro que teve com o amigo Jorge Amado, após esse retornar da Europa, acabou com um conflito que enfrentava: não satisfeito com o trabalho que vinha realizando, a conversa com o amigo escritor foi a luz para a retomada do figurativismo.
Jenner Augusto teve influência de Jorge Amado na sua vida e na sua obra, sendo o ilustrador do romance Tenda dos Milagres, onde consegui captar a alma dos personagens, ricos e fundamentais elementos formadores da cultura baiana, tão representada pelo universo das personagens criadas pelo escritor baiano.
Autodidata, é um artista figurativista, abordou a paisagem urbana, sobretudo o Alagados, de Salvador. “O Alagados, aquela fase, foi onde transformei aquela miséria, aquela rusticidade, aquela pobreza, numa coisa bonita. O Alagados era planos abstratos, mas sem esquecer que existiam seres humanos ali. Era uma pintura de conotação social, onde o tema era um pretexto, pois a minha pretensão ia bem além. Posso dizer, sem modéstia, que descobri o Alagados, pois muito pouco se falava nele naquela época. Era a denúncia de um fato social, um tema figurativo, uma preocupação abstracionista na arte. Eu gosto da pintura que diz sem dizer. Que insinua sem a preocupação de configurar demasiadamente aquilo que está pintando”.
Jenner percorreu também uma fase expressionista, com temática baseada no sofrimento do nordestino. “Sou muito chegado à pintura expressionista. Para meu temperamento, ela diz tudo”.
Um de suas obras mais conhecidas, o painel de azulejos Os primeiros habitantes de Sergipe, realizado em 1961, para um dos saguões do antigo Aeroporto Santa Maria, de Aracaju, foi recentemente restaurado e agora, encontra-se instalado na sede da Energipe.
Desconfiado, o artista é de temperamento quieto, caladão e de uma finura no trato a toda prova. Casado, com dona Luiza, sua companheira desde 1953 e mãe dos seus cinco filhos, dois deles também pintores.[1]




[1] Aracaju. Jornal da Cidade, 06.mar.2003.




GODOFREDO FILHO & O MODERNISMO NA BAHIA


GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário, membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e Diretor de Imprensa da Associação Sergipana de Imprensa. gilfrancisco.santos@gmail.com

 


As sementes lançadas na Semana de Arte Moderna ofereceriam frutos opimos durante a década de 30, quando o Romance caracterizado pelo regionalismo e pela denúncia social trouxe à literatura brasileira, pela pena de Jorge Amado, Amando Fontes, José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz, uma realidade que permanecia escondida: tipos sociais específicos, geralmente do Brasil rural, vivendo situações típicas de um país atrasado. Em suma, a literatura regionalista tem um evidente compromisso ideológico, no sentido de seus autores estarem comprometidos com uma visão de mundo mais à esquerda (refletindo o fortalecimento do socialismo na época) ao contestar as estruturas e ao se colocar de maneira deliberada, ao lado dos desfavorecidos da sorte. Sabemos que, nas primeiras décadas deste século, o processo de “metropolização” das grandes cidades, principalmente a modernização da vida e de seus habitantes se desenvolveu rapidamente, transformando o seu cotidiano. Os modos de viver e conviver nas cidades, de maneira geral, estava mudando nesses anos com as transformações modernizadoras, apesar da permanência de elementos do universo rural, cada vez mais rarefeitos. Na década de 1930, boa parte dessas mudanças e transformações já estava consolidada.

Estudantes e professores de Direito sempre publicaram seus escritos em jornais baianos ou revistas, como Nova Cruzada (1901-1910)[1] e Annaes (1911-1914), das duas primeiras décadas do século, O Távola, Samba (1928-1929)[2], Arco & Flexa (1928-1929)[3]; nos impressos da Ala das Letras e das Artes (1938)[4] do médico e jornalista Carlos Chiacchio, ou o jornal A Tarde, como no Imparcial e outros periódicos da terra, inclusive nos Diários Associados do paraibano Assis Chateaubriand.
Tanto a Academia dos Rebeldes (1929) como nos grupos das revistas Samba e Arco & Flexa, formam uma das ramificações do movimento modernista no Brasil, na Bahia, que segundo Afrânio Coutinho, “começou a dividir-se em grupos e gerações sucessivas e correntes divergentes. Graça Aranha foi a principal causa inicial da desagregação. O Modernismo como grupo desapareceu.[5]
  E como conseqüência, foram muitos os movimentos simultâneos ou subseqüentes nos estados: “Em Minas o do grupo Verde de Cataguases, com Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Guilhermino César, Francisco Inácio Peixoto, Camilo Soares, Martins Mendes, Humberto Mauro; e em Belo Horizonte, o da Revista, com Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, João Alphonsus, Ciro dos Anjos, Abgar Renault, Pedro Nava, Aníbal Machado, Martins de Almeida, João Dornas Filho, Mário Matos, Enrique de Resende, etc. Na Bahia, Godofredo Filho, em 1926, de volta do Rio, apresenta em página de jornal, os novos figurinos poéticos, e imediatamente, polarizados pela personalidade exuberante do crítico Carlos Chiacchio, juntam-se a ele outros moços, como Eugênio Gomes, Eurico Alves, Carvalho Filho, Pinto de Aguiar, Hélio Simões, Ramaiana de Chevalier, Pereira Reis Júnior, Queirós Júnior, criando a Revista Arco & Flexa, na linha do “Tradicionalismo dinâmico” de Festa. Outro grupo, “Academia dos Rebeldes” era integrado por Jorge Amado, Sosígenes Costa, Pinheiro Viegas, Édison Carneiro, Alves Ribeiro, Clóvis Amorim, Dias da Costa, João Cordeiro e seguia linha independente. No Ceará, o Modernismo surgiu com a Revista Maracajá, em 1929 e no Pará, o grupo Flaminaçu, com Abguar Bastos. No Rio Grande do Sul, o grupo da Madrugada, com Augusto Meyer, Teodomiro Tostes, Vargas Neto, Miranda Neto, Paulo Gouveia, Moisés Velinho.”[6]
Na década de vinte, muitas revistas foram editadas na Bahia. Todavia, várias delas tiveram vida efêmera: A Renascença; A Época, de José Maria Vidal; O Século; A Fita; Rua Chile, de Carmino Longo; A Nota e o Álbum, de Florêncio Santos; O Social, de Egberto de Campos Ribeiro e Florêncio Santos; A Semana; Samba; Arco & Flexa; Meridiano; Bahia Moderna; Bahia Nova, de Karlos Weber; Letras de Hoje (1929); A Luva (1925-1932); Revista da Bahia, entre outras.

Desenvolvia-se, sobretudo nos setores oficiais, um largo movimento de propaganda em torna das comemorações do centenário da independência do Brasil. Tais fatos, somados a dificuldades de comunicação entre diversos Estados retardaram a divulgação do modernismo no país. De São Paulo chegavam às sugestões do movimento modernista, tornado público na Semana de Arte Moderna (fevereiro de 22), ao mesmo tempo em que se intensificava, fazendo eco a uma preocupação generalizada no Brasil, à pregação em torno do regionalismo.

Em agosto deste ano, parte do Recife a barca do Curvelo, com destino ao Rio de Janeiro, uma comitiva para participar do 1º Centenário Internacional de Estudantes, por ocasião das festas do centenário da independência, tendo como secretário dessa comitiva o jovem jornalista, Joaquim Inojosa, que resolve estender a viagem até São Paulo, onde visita a redação do Correio Paulistano e conhece Menotti del Picchia e Oswald de Andrade. Mais tarde os contatos se sucedem a Guilherme de Almeida, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti.
 Joaquim Inojosa retornava em 17 de outubro de 1922, para Recife, com uma estranha bagagem: trazia de São Paulo alguns exemplares da revista Klaxon e dois livros: Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade, e Os Condenados, de Oswald de Andrade.[7]  O modernismo chegava ao norte  a Pernambuco, (àquela época, os estados da Bahia ao Amazonas eram  considerados norte), e ganhavam os primeiros adeptos: Austro-Costa, Godofredo Ramos e Raul Machado. A Mauricéa, fundada em 1923 – é a segunda revista modernista, pois a primeira foi Klaxon – lhe publicava no número 1, os versos de adesão.[8]
Mais tarde, em 1924, o poeta Ascenso Ferreira (1895-1965) iria aderir ao movimento, guiado por Guilherme de Almeida (1890-1969), que pronunciou conferências e recitou seu poema Raça, no Teatro Santa Isabel. No mês de julho, Joaquim Inojosa (1901-1987) dirigiu aos diretores da revista Era Nova, da Paraíba, uma carta literária, que seria editada em Recife pelo Jornal do Comércio em 1924, onde conclamava a juventude paraibana a aderir ao modernismo.[9]
Um desses exemplares, enviado pelo próprio Joaquim Inojosa, chega às mãos do escritor baiano, Aloysio de Carvalho Filho (1901-1970), o qual em carta datada de
 20 de outubro de 1924 acusa recebimento do folheto e  parabeniza o amigo, declarando-se “convencido e entusiasta batalhador da idéia nova.”[10]  De Recife chegam também novas revistas literárias, como Mauricéa, recebida por Aloysio de Carvalho, conforme o artigo Gente do Norte, onde ele se refere da seguinte maneira: “Essas duas revistas trouxeram-me, pois, à alma de moço, um grande contentamento que não saberia silenciar.” Parece, tratar-se da Revista do Norte.[11]

Todas essas pistas levam-nos a confirmar que as idéias modernistas da Semana de Arte Moderna de 22, chegaram à Bahia via Pernambuco. De maneira acanhada, mas chegam e se instalam na mente dos jovens acadêmicos boêmios. È aí que surge, a mais de uma centena de quilômetros de Salvador, o poeta Godofredo Filho (1904-1992).

O que procuravam os jovens surgiu de Feira de Santana, da Princesa do Sertão, onde também se encontra perfeitamente ciente e consciente dos fundamentos estéticos do modernismo, aos quais adaptara a sua cultura e a sua sensibilidade, iniciando assim, uma obra por todos respeitada.[12] A figura polêmica, o “bruxo” Godofredo Filho, foi o primeiro dos escritores novos da Bahia, a dar notícia aos intelectuais do Sul, de que aqui, na Bahia, já pousara e já contagiara o espírito renovador das letras e das artes.


Em 1925, por intermédio do crítico Carlos Chiacchio, organizador do grupo “Arco & Flexa”, pela primeira vez em Salvador, a imprensa estampa em quase uma página do vespertino A Tarde, uma colaboração de Godofredo: Ironia; Melancolia do Arrabalde; Onde o Silêncio dorme; Esta Saudade do adolescente-lírico e Poço d’água. Poemas nitidamente modernistas, em sintonia com o movimento de 22, que chocaram a todos e fizeram com que revistas e jornais daqui, trocassem do que chamaram de “futurista”.[13]

Em 1927, Godofredo Filho encontra-se no Rio de Janeiro, onde sua participação foi gratificante, recebendo o acolhimento e a simpatia de grandes nomes do Modernismo, como Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Mario de Andrade e, sobretudo Manuel Bandeira, que projetou suas atividades de escritor modernista no sul do país, entrevistando-o para O Jornal, periódico de maior projeção na época.[14] Bandeira reuniu um grupo de intelectuais numa das célebres noitadas em sua casa de Santa Tereza: Eugênia e Álvaro Moreyra, Mário de Andrade, Jayme Ovalle, Prudente de Moraes Neto, Augusto Frederico Schmidt e Rodrigo M. F. de Andrade, para ouvirem pela primeira vez os poemas de Godofredo Filho.

Logo o seu nome passou a ter livre trânsito pelas entrevistas sobre arte moderna concedida em 1928 em O Globo, Modernismo Brasileiro – os conceitos de um jovem vanguardista baiano.[15] No sul com apenas vinte três anos de idade, Godofredo Filho, convive com a pintora Tarsila do Amaral e os poetas Jorge de Lima, Murilo Mendes e outros que já eram notáveis nas letras e nas artes ou seriam mais tarde gloriosos. O certo é que não devemos ignorar a presença do modernismo na Bahia, negar as adesões às novas conquistas estéticas, nem a importância da contribuição pioneira, de um jovem poeta, atento aos novos rumos da arte, em torno de um movimento que ainda se processava.

1928, ano definido pelo modernismo baiano, hoje conhecido como o período mais fecundo das nossas letras, é marcado também pelo lançamento da revista Samba (mensário moderno de letras, artes e pensamento) do “Grupo da Baixinha” e, em novembro, do primeiro número da revista Arco & Flexa (mensageiro da cultura moderna), sob a direção a de Pinto de Aguiar.

A revista Arco & Flexa não albergava propriamente um “grupo libertário”. Bem ao contrário, era marcada pele heterogeneidade dos que, no ingênuo propósito de verem publicados os seus primeiros textos, a ela acorriam. É o que se vê nos cinco números que vieram a luz, de novembro de 1928 a mês indefinido de 1929 em cinco números contido em três fascículos.

Arco & Flexa contou com o grande incentivo do jornalista Carlos Chiacchio, que assinava desde o início do ano, um rodapé semanal de crítica literária, Homens & Obras, no jornal A Tarde. Em setembro de 1929 os membros da Academia dos Rebeldes, liderado pelo jornalista e epigramista, Pinheiro Viegas (1865-1937), lançam o único número de Meridiano (revista de vanguarda). Esse mesmo grupo, lançaria mais uma revista, O Momento (mensário ilustrado informativo), entre 1931/1932.

Um fato curioso ocorreu em 1928, com o livro de Godofredo Filho, Samba Verde (coletânea de 13 poemas escritos em 1925), cuja publicação deve-se a Manuel Bandeira (1886-1968), e que foi editado pelos Irmãos Pongetti. Depois de ter visto as primeiras provas do livro, não permitiu o autor que viesse a lume, recolhendo os exemplares antes mesmo do lançamento, sob o argumento de que Samba Verde, não mais representava a deriva da pesquisa estética. Embora Manuel Bandeira e Ronald de Carvalho (1893-1935), por documentos escritos lhe louvassem a forma e auspiciassem o êxito do “esplêndido” verde-amarelismo.

Apesar de ter sido um dos colaboradores da revista (modernista baiana), Arco & Flexa nº 4/5, 1929, último número a circular, onde publicou o poema Usina, Godofredo Filho nunca assumiu um compromisso total de modernidade, pois sua ligação com o movimento modernista era mais com o grupo do Sul do país. Segundo a ensaísta Ívia Alves, Usina: “Imprime uma atmosfera dinâmica através da enunciação, aparentemente caótica, sem chegar a uma descrição fotográfica, Versos brancos. Ritmos vários. Enumeração caótica. Imagens, sinestesia e aliterações. Aglutinação de vocábulos à maneira modernista.”[16]

Não sabemos o real motivo de somente ter sido publicado em 1977 o longo Poema da Feira de Santana, de Godofredo Filho, era bastante conhecido entre seus amigos mais íntimos, desde 1926.[17] Mas os primeiros livros modernistas publicados na Bahia, foram Moema de Eugênio Gomes e Rondas, de Carvalho Filho, ambos publicados nos primeiros meses de 1928.[18] Em seguida vieram o Poema de Ouro Preto, de Godofredo Filho, 1932 e Mar e outros Poemas, de Hélio Simões.[19]




O grande crítico literário brasileiro, Agripino Grieco, num extenso texto, publicado em O Jornal, de 1934, intitulado “Escritores e Artistas Baianos”, registra  um panorama da literatura baiana, analisando a obra de: Carlos Chiacchio, Arthur de Sales, Eugenio Gomes, Eurico Alves, Sousa Aguiar, Altamirando Requião e do próprio Godofredo Filho. Sobre esse último diz o seguinte: “Godofredo é um místico que ainda não achou a sua mística. Foi na Bahia, o cicerone do Sr. Manuel Bandeira junto às igrejas e aos quitutes da preta Eva, e é o cantor das cidades velhas, embora prefira as mulheres novas. Saudoso, compõe umas arietas sentimentais, tramas aéreas de versos quase incorpóreos que recita com voz sufocada, de quem está sendo estrangulado pelo garroteador da tela de Goya. Na virtuosidade do abstrato, Godofredo converte tudo em visão arcaica. É um alucinado dos séculos esse pobre menino perdido num mundo sem alma, num mundo de bichos de ferro. Doido pelo acarajé e também pelas vendedoras de acarajé, sabe toda a Bahia de cor, trecho a trecho bequinho a bequinho. Conhece a cor do tempo, a cor dos olhos de todas as criaturas. Romântico cantor de Ouro Preto e da sua Feira de linhas retas, adormecidas na planura, como a bela do conto de Perrault...”[20]

Os que conseguiram sobreviver a vários temporais (1922/1928) e ceder às determinações da cultura e da sensibilidade, lutando em favor da implantação de uma nova ordem literária, só tinham de longe, a imagem imperfeita do ambiente cultural que os asfixiava, assumindo inconscientemente uma responsabilidade cuja extensão desconheciam.
Não é nenhuma surpresa, o Modernismo chegar à Bahia com tanto atraso, pois na Bahia, por motivos vários, imperava uma forte resistência dos que tentavam sobreviver o neoparnasianismo, que vigorava em seus últimos arrancos na nossa província. A Bahia sempre foi muito conservadora e, naturalmente, tudo o que conspirava contra seus valores, sofria a reação. Sobre essa época, o poeta  Godofredo Filho tem muito a acrescentar: “Por aqui vingavam muitos estilistas, bons é verdade, mas recalcitrantes. Naquele tempo, eles viviam fascinados pela eloqüência de nossos gramáticos. Não se pode esquecer, por exemplo, como foi conservador neste particular das letras e da língua portuguesa em sua pureza setecentista, Rui Barbosa e tantos outros.”[21]
O significativo momento cultural do modernismo na literatura baiana veio denunciar ou combater às injunções políticas da época, haja vista as formas tradicionais cristalizadoras dos talentos literários seguiam sempre as normas estabelecidas pelos moldes conservadores e tradicionalistas, em estilo, marcado pela tradição política e religiosa.
A vinculação da Bahia ao passado, na verdade a oprimia, e nossos escritores não refletiam a inquietação do mundo e reagiam contra o rompimento de certos diques, como foi a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922. Do ponto de vista da temática da poesia, já não era possível girá-la sempre em torno de temas românticos, nem de construções meramente formais.
A expectativa mental do jovem grupo baiano (Arco & Flexa), era estar em perfeita sintonia, espontânea criação, mas sem qualquer vinculação, com o que, a respeito do mesmo problema cultural, ocorria em outras capitais, como o Rio e São Paulo, de onde chegavam as novidades literárias, através do noticiário escasso da imprensa local. “Só por intermédio de jornais, chegados por via marítima, com atraso de trinta e mais dias, poderíamos ter noção precisa do que, com o propósito de renovar em seu conteúdo e em seu continente toda e qualquer manifestação artística,  e em primeiro nível a literária, pretendiam os escritores novos das cortes do sul.”, segundo depoimento de Carvalho Filho (1908-1994).[22]
Com o advento do modernismo, a liberdade no plano da criação literária, trouxe elementos, para entendimentos culturais antes nunca discutidos, sem esquecer os aspectos políticos e a realidade social. Mesmo com a introdução desse novo “elemento”, na Bahia, o modernismo foi recebido com perfil de hostilidade compreensível. O poeta Carvalho Filho, justifica afirmando que: “É que nos vencia ambiente pesado de falsa cultura clássica em seu tradicionismo  intocável. Foi quando, por uma atração não de contrários, nos encontramos com Eugênio Gomes (1897-1972), Hélio Simões (1910-1987), Eurico Alves (1909-1974), Pinto de Aguiar (1910-1991) e outros, e partimos, afinal de muitas conversas noturnas, que continuavam, para uma iniciativa que testemunhasse adesão inequívoca à nossa hora, com ressonância para além da nossa cidadela provinciana.”[23]
Salvador dos fins desta década tinha aproximadamente 250 mil habitantes e marcaria um período de muita inquietação intelectual, como conseqüência do que se passava nos grandes centros irradiadores da cultura nacional, localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Salvador é marcada por vários acontecimentos culturais e urbanísticos importantes, além dos teatros que tinham um papel fundamental na vida cultural da cidade: São João, Politeama, Guarani, Jandaia e o Cine-teatro Olympia.  









[1] LARA, Cecília de. Nova Cruzada. São Paulo: IEB – Instituto de Estudos Brasileiros – USP, nº 17, 1979.
[2] Samba. Edição fac-similar. 1928/1929 (quatro números). Salvador: Conselho Estadual de Cultura – Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia, 1999.
[3] Arco & Flexa. Edição fac-similar. 1928/1929 (cinco números). Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978.

[5] COUTINHO, Afranio. Introdução à Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Distribuidora de Livros Escolares, p.270, [s.d].
[6] Idem, p. 272.
[7] ANDRADE, Mário de. Paulicéia Desvairada. São Paulo, Casa Mayença, 1922.
  ANDRADE, Oswald de. Os Condenados. São Paulo, Editora Monteiro Lobato, 1922.
[8] Mauricéa, Ano I – nº 1 – 10 nov. 1923. Recife (PE).
[9] INOJOSA, Joaquim. A Arte Moderna, Recife, Jornal do Comércio, 1924, p.28.
[10] INOJOSA, Joaquim, O Movimento Modernista em Pernambuco. Rio de Janeiro, vol. 3, Gráfica Tupy, 1969.
[11] CARVALHO FILHO, Aloísio de. Gente do Norte. Salvador, Diário da Bahia, 21 jan. 1924.
[12] GODOFREDO FILHO. Irmã Poesia. Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro. Salvador, Secretária de Estado da Educação e Cultura da Bahia, 1987.
[13] CHIACCHIO, Carlos. Poesia Nova. Salvador, A Tarde, 10 jan. 1925.
[14] BANDEIRA, Manuel. O Movimento Moderno na Bahia – uma hora com o poeta Godofredo Filho. Rio de Janeiro, O Jornal, 29.mai. 1927.
[15] GODOFREDO FILHO. Modernismo Brasileiro – os conceitos de um jovem vanguardista baiano. Rio de Janeiro, O Globo, 20. ago. 1928.
[16] ALVES, Ívia. Arco & Flexa – contribuição para o estudo do modernismo. Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978, p. 104-105. Pesquisa de maneira sistemática, procura descrever, analisar r julgar as ressonâncias do Modernismo na Bahia, através da revista Arco & Flexa, tentando sintonizar a sensibilidade e a inteligência com a renovação cultural que eclodira em 1922, com a Semana de Arte Moderna.
[17] GODOFREDO FILHO, Poema da Feira de Santana. Salvador, S/A Artes Gráfica – Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1977. 500 exemplares.
[18] GOMES, Eugênio, Moema. Salvador, 1928.
    CARVALHO FILHO, Rondas. Salvador. Livraria Duas Américas, 1928. Reescrito em 1950.
[19] GODOFREDO FILHO, Poema de Ouro Preto. Rio de Janeiro, Schmidt Editor, 1932. 500 exemplares.
    SIMÕES, Hélio, Mar e outros Poemas. Salvador, Edições Ala, nº 10, 1941.
[20] GRIECO, Agripino. Escritores e Artistas Baianos. Rio de Janeiro, O Jornal, 18. nov. 1934.
[21] JORNAL DA BAHIA,  Godofredo Filho: 50 anos na vida literária baiana. Salvador, 1975.
[22] CARVALHO FILHO, Prosa Poema. Salvador, Diário Oficial do Estado da Bahia, Suplemento Especial, 26 abr. 1984.
[23] CARVALHO FILHO, Fase Modernista. Salvador, Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 26, p. 101-103, set. 1978.